Você sonha muito?
Um dos mistérios mais antigos relativos ao ser humano é a
sua capacidade de sonhar. É bem provável que os homens mais primitivos ficassem
confusos quanto a realidade. É possível que se perguntassem se as imagens vistas
durante o sono eram reais ou se estavam acordados. Ou ainda se teriam sido
levados a outro lugar. Assim, o sonho
por muito tempo ocupou o lugar místico de uma revelação dos deuses. Um sinal
enigmático a ser considerado nas decisões humanas. Por não se tratar de algo produzido
voluntariamente, o homem, em sua busca pelo sobrenatural, utilizou-se ao longo
dos tempos de indutores de estados alucinatórios, como as ervas, de modo a “invocar”
a resposta dos deuses. Alucinação... Sonho... são a mesma coisa?
Desde a antiguidade os filósofos também se ocupavam com os sonhos. Para Platão
e Pitágoras, os sonhos revelavam a verdade sobre a alma. Aristóteles afirmava
que os sonhos eram a expressão da vida anímica durante o sono, um fenômeno
relacionado com os órgãos internos, podendo indicar como as doenças se
desenvolviam. Descartes propõe a dúvida da realidade no estado desperto em
relação àquela do sonho. Schopenhauer, também estudando a diferenciação entre o
sonho e o estado desperto, concluiu que o único critério que distingue a diferença
é o ato de despertar e que a formação dos sonhos se devia a alguma excitação
fisiológica partindo de dentro do organismo.

Com os avanços da ciência sobre a atividade cerebral,
descobrimos que durante o ciclo sono-vigília existem fases para o descanso, as
fases do sono. E que a atividade onírica
(sonho) ocorre na fase mais profunda do sono, a fase REM, devido a intensa
atividade neuronal do cérebro. Esta
atividade coincidia com o relato de sonhos pelos voluntários estudados. Mas o mecanismo
desencadeador do sonho permanecia desconhecido.
Friedrich Nietzsche, filósofo do século XIX, afirmava que o
sonho significava o retorno às condições mais remotas da cultura humana,
através de uma atividade mental que ocorreria
de forma desapercebida, indicando a existência de alguma atividade
inconsciente. Para ele, significava a busca das razões para a excitação do
sistema nervoso. O sonho seria a apresentação das razões.
Por volta do final do século XIX e inicio do século XX, as
descobertas do Dr. Sigmund Freud sobre o funcionamento psíquico o levaram a
construção de um corpo teórico o qual tornou-se
mundialmente conhecido como ‘Psicanálise’.
Dentre seus estudos, Freud construiu uma teoria sobre os sonhos. Em 1900
sua obra ‘A Interpretação dos Sonhos’ tornou-se um marco nos estudos sobre
atividades oníricas. Para Freud os
sonhos são manifestações de energias psíquicas reprimidas durante o estado de
vigília. São necessidades primárias e desejos que não encontram expressão na
ação consciente. Assim negados, tais
impulsos geram tensão no aparelho psíquico e procuram por outras formas de
expressão. Os sonhos constituem-se numa das formas de expressão dos desejos
reprimidos. Os símbolos utilizados nos
sonhos são imagens da memória articuladas entre si pelo inconsciente que Freud nomeou
‘conteúdos manifestos’. Estes necessitariam ser interpretados de modo a
desvendar o ‘conteúdo latente’ nele existente, ou seja, qual era o desejo
expresso. Desta forma, um critério inconsciente determinaria símbolos/imagens a
serem utilizados pelo sonho, de modo a driblar a censura consciente.
Carl Jung, um dos discípulos de Freud, discordava de seu
mestre, dentre outros aspectos, sobre a intepretação da linguagem simbólica.
Para ele a psique não distingue conteúdos manifesto e latente. A energia psíquica
se serve de conteúdos da memória e do ‘inconsciente coletivo’ para
expressar-se. Ou seja, os símbolos representam
aquilo que necessariamente querem expressar. Jung desenvolveu também um corpo teórico, a Psicologia
Analítica, onde explica a existência de uma instancia do inconsciente inerente
a todos os humanos de forma atemporal chamada ‘inconsciente coletivo’, dentre
outras descobertas acerca da alma humana.
Sonhar é algo inerente a nós, seres humanos. Como vimos, os
sonhos são expressões da alma, do nosso interior. Assim, são considerados importante instrumento
na psicoterapia de base psicanalítica ou Junguiana.
Se você tem tido sonhos recorrentes (sempre os mesmo símbolos),
pesadelos, sonha quase todas as noites, isto pode significar um pedido de
socorro. Atente para si mesmo. Procure
ajuda profissional.
Referencias:
Freud, S. Conferências
introdutórias sobre psicanálise, parte I e II, vol. XV. Ed. Imago, 2006.
Garcia-Roza, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. A
Interpretação do sonho
(1900), vol. 2. Ed. Jorge Zahar, 1991.
Kast, V. Sonhos: a linguagem enigmática do inconsciente. Ed.
Vozes, 2010.